Em uma cidade que se move sobre duas rodas, a criação também é um deslocamento — entre olhar, sentir e pertencer. Aqui, marcas nascem de vínculos, e não de tendências.
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30 de abr. de 2025
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por
Andréia Oliveira
Da bicicleta às vitrines: o que viver em Copenhague revela sobre marcas com verdade
É um reflexo de como se vive, entre o leve e o essencial
Copenhague se move sobre duas rodas. A bicicleta, mais do que um meio de transporte, é quase uma filosofia de vida. E essa maneira de viver — leve, consciente e integrada ao entorno — também molda o jeito dinamarquês de criar. Existe um fluxo natural entre deslocamento, observação e criação. E isso se reflete diretamente na forma como as marcas se expressam por aqui.
O que mais me chama atenção é a maneira como essas marcas crescem amparadas por comunidades de nicho. Existe, sim, público para todos. Existe, sim, uma identificação quase afetiva entre o estilo de vida das pessoas e aquilo que uma marca representa.
Esse amor pelo produto 100% dinamarquês não é apenas orgulho nacional — é um diferencial competitivo. É o que permite que marcas conquistem espaço, respeito e, muitas vezes, se tornem referência.

Ganni: quando nicho vira desejo global
Um dos casos mais emblemáticos é o da Ganni, que emergiu de um mercado interno modesto e hoje desfila em Paris, influenciando fashionistas ao redor do mundo. Muito do que eles lançam se torna referência estética.
E, como todo sucesso que toca o desejo, a Ganni também entrou no radar de falsificadores — especialmente no segmento de calçados.
Esse crescimento não veio de um hype vazio, mas de um vínculo sólido com seu público local. Um amor cultivado com tempo, coerência e afeto.
É uma marca que entendeu que as tendências mais potentes nascem justamente da escuta atenta — e não da tentativa de antecipar o mercado a qualquer custo.
Tendência ou sintonia?
Essa reflexão me leva a uma pergunta que sempre me ronda: onde nascem as tendências?
Minha resposta: no cruzamento entre marca e comunidade.
São as pessoas que emitem sinais, que apontam caminhos, que inspiram ideias. É da identificação que nasce a inovação.
E, quando esse vínculo é verdadeiro, a marca deixa de ser só marca — e vira cultura.
ALIS: o underground que virou símbolo
Recentemente, participei da reabertura de uma loja de uma marca com uma história que carrega alma: a ALIS, criada em 1995 por dois amigos no bairro de Christiania — um território com vida própria dentro de Copenhague, conhecido por sua liberdade alternativa e pulsante.
A ALIS nasceu da cultura do skate, do streetwear e da juventude rebelde. Sempre manteve uma aura de mistério — fiel à sua essência underground e comunitária. Cresceu com a cidade, amadureceu junto com seu público, enfrentou altos e baixos, mas agora retorna com força.
Volta com história, com propósito, com raízes profundas e olhos voltados para um novo momento — onde o social e o artesanal não são mais tendências passageiras, mas valores estruturantes.
O que senti naquele evento foi mais do que consumo: foi pertencimento.
As pessoas torcem por essas marcas como torcem por um time. Vibram com suas conquistas. Porque há memória e afeto envolvidos.

Planet Nusa: quando a loja vira comunidade
Dias depois, visitei uma loja com proposta esportiva e estética minimalista. A atmosfera era suave, acolhedora. A marca, Planet Nusa, já havia conquistado um público jovem, majoritariamente feminino — mas o diferencial estava na forma como isso foi feito.
Mais do que roupas funcionais para diferentes momentos do dia, a marca criou uma comunidade ativa. Organiza grupos de corrida e natação, oferece um café intimista, e transforma a loja em ponto de encontro. É o tipo de lugar onde você entra e quer ficar.
“No Planet Nusa, comunidade não é apenas uma palavra da moda — é a base de tudo o que fazemos.”
Fundada em 2018 por Mille e Kristine, a Planet Nusa começou com um evento no Facebook. Cresceu com um modelo direto ao consumidor, escutando sua comunidade e criando produtos com base no feedback real.
Criar com alma: o que essas marcas têm em comum
Ambas — ALIS e Planet Nusa — são exemplos vivos de como o vínculo com a comunidade impulsiona a criação com propósito.
Ambas valorizam o tempo, o local, o afeto. E ambas compreendem que nem toda marca precisa ser global — mas toda marca precisa ser significativa.
As lojas em Copenhague não gritam. Elas convidam. São leves, belas e transmitem uma sensação de liberdade que se sente ao entrar.
Não vendem produtos — criam experiências que tocam a sensibilidade.
Um lembrete necessário para marcas brasileiras
Às vezes, vejo empreendedores obcecados pelas grandes referências de mercado. Olham para o sucesso alheio e depois para a própria planilha, buscando atalhos. Mas, nesse processo, perdem o que há de mais valioso: o seu próprio caminho.
A jornada de cada marca é única. O que ela representa para o cliente também.
E é justamente esse envolvimento, essa alegria pelas pequenas conquistas (mesmo que demorem anos), que constrói marcas duradouras e relevantes.

O que vejo por aqui é mais do que branding. É sobre troca, afeto e comunidade.
Criadores servindo pessoas reais, com histórias reais. Marcas que não se impõem — pertencem.
Talvez essa seja a grande pergunta que toda marca deveria se fazer agora:
“Estamos criando para pertencer ou apenas para aparecer?”
Vamos pensar o futuro juntos?
Não dito caminhos, mas revelo possibilidades, construindo pontes que conectam marcas ao futuro.
Todos os direitos reservados ® Paulo Escrivano
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