Xeque Mate

Xeque Mate

Xeque Mate

Entre fé, fetiche e pertencimento.

Blog Post

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28 de set. de 2025

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por

Paulo Escrivano

Xeque Mate é desfile, mas também é instalação viva, um manifesto. O que eu vi foi militar glam, fetiche pantaneiro, fronteira erotizada e ancestralidade em primeiro plano.

Essa mistura desloca o figurino regional para uma linguagem artística que conversa com o Brasil. Hoje, a moda que reverbera não descreve produto, performa ideia. São rituais, manifestos, experiências sensoriais. A McKinsey já mostrou: o público elevou o sarrafo da experiência e espera imersão no contato físico, a passarela virou ato cultural (McKinsey, The State of Fashion 2025).

2024 foi chamado de “o ano do entretenimento”: marcas que ganharam espaço foram as que encenaram cultura, cruzando moda, música, cinema e esporte. Menos anúncio, mais espetáculo compartilhável (BoF, The Year of Entertainment, 2024). É nesse ponto que Xeque Mate se encaixa: um tabuleiro vivo. No lado preto, o militarismo de Ladário e Corumbá e a devoção à Nossa Senhora do Pantanal atravessados por fetichismo e rock’n’roll. No lado branco, esculturas da Conceição dos Bugres, bandeiras do Mato Grosso do Sul e influências de Paraguai e Bolívia. A cenografia, a luz e o som convidaram o público a mergulhar em obras que respiram.

E há o detalhe que muda tudo: metade do casting foi indígena, escolhido em colaboração com o lider indígena e designer Brian Soares. Não como adereço, mas como voz. Isso está em sintonia com o movimento global em que a crítica sai da apropriação e entra na colaboração real (Indigenous Designers Rising, 2024; WGSN, Future Consumer 2025). O consumidor hoje busca pertencimento e memória mais do que aquisição: é imersão cultural, não vitrine (BoF, Culture as Product, 2024). Multissensorialidade já é estratégia (WGSN, Multisensory Marketing, 2025).

O valor está em tensionar política e identidade e transformar cultura em produto, memória em ativo coletivo.

E aqui mora a diferença entre quem faz roupa e quem faz moda. Roupa é lookinho, moda é narrativa.

É o que Demna faz, ontem na Balenciaga, hoje na Gucci: satiriza, ironiza e traduz o espírito do nosso tempo. Moda é história, não cabide. Xeque Mate cutuca o mercado da moda, mostrando que as novas fronteiras não estão em peças isoladas, mas em como transformamos cultura em valor.

A moda é vitrine, sim, mas é muito mais do que isso.

A França entendeu e fez dela soft power de Estado, com investimento e estratégia que sustentam Paris como capital cultural. Aqui no Brasil, estamos apenas começando. Ainda engatinhamos em políticas de fomento estruturadas, mas já está claro que moda não é só roupa: é economia criativa, política pública, letramento social. Não por acaso, Campo Grande aparece em último lugar no acesso à cultura entre as capitais brasileiras (Pesquisa Cultura nas Capitais, Datafolha, 2023).

É nesse cenário que o desfile de Fábio Maurício ganha ainda mais importância. Porque mesmo diante das limitações, ele cria um tabuleiro que transforma símbolos em narrativa, corpo em manifesto e cultura em pertencimento. Xeque Mate não resolve todas as ausências, mas abre uma clareira: mostra que a moda sul-mato-grossense tem identidade, potência e voz. Para quem decide, fica o convite de olhar mais de perto. Para quem assistiu, fica a certeza de que essa história é nossa.

“Ninguém sai de casa sem roupa. Ela indica status, etnia, religiosidade. A moda é fator, ícone e documento de cultura.” Fábio Mauricio

Vamos pensar o futuro juntos?

Não dito caminhos, mas revelo possibilidades, construindo pontes que conectam marcas ao futuro.

Todos os direitos reservados ® Paulo Escrivano

2025